Obstáculos à produção de sentido existencial
Em nossos artigos anteriores sobre Psicologia Consciencial analisamos a importância da produção de sentido existencial para sermos saudáveis. Neste artigo e na próxima semana continuaremos a refletir sobre o mesmo assunto devido à sua importância. Se você ainda não os leu sugiro que o faça antes de ler este, para melhor entendimento.
Leia: A realização do plano existencial como condição para que a vida tenha sentido
Na Psicologia Consciencial buscamos conduzir sempre o paciente na produção de sentido existencial como um grande processo de cura interior. Existem vários obstáculos à produção de sentido existencial.
Todas as vezes em que nos afastarmos do código moral de leis, recusando-nos a desenvolver as virtudes essenciais, produziremos situações conflituosas, em maior ou menor intensidade, que nos afastam da produção de sentido existencial.
Reflitamos a partir de um caso clínico como acontece a produção desses conflitos e possíveis traumas existenciais: Roberta de 32 anos que, ao buscar ajuda terapêutica, se autodenominava um monstro.
Roberta tem um filho de 3 meses pelo qual sentia uma aversão imensa, chegando a odiá-lo, sem saber o motivo. A aversão era tão grande que tinha ímpetos de jogar o menino pela janela. Ela mora no 12º andar de um prédio. Na hora de amamentar, tinha desejos de esganá-lo. Por isso, começou a se sentir um monstro. Questionava-se diariamente: como posso sentir todo esse ódio pelo meu próprio filho? Roberta tem também outro filho de 3 anos, a quem ama intensamente. Ela entrava em conflitos conscienciais enormes quando comparava: como posso amar este aqui que é meu filho, saiu de mim, e este outro que também saiu de mim, que é um bebê ainda e precisa mais de mim, odiar a ponto de sentir aversão até na hora de amamentar; querer esganá-lo na hora de amamentar? Amamentar com a mamadeira, pois ela recusou-se a amamentá-lo naturalmente, pois sentia ódio e nojo do filho quando este sugava o seu seio. Sentia como se este a estivesse usando sexualmente.
Não conseguia ter um momento de carinho com o filho. Somente fazia as atividades de cuidado puramente materiais para o filho, sem nenhum sentimento de afeto, apenas aversão e ódio. Desde a gestação, ela se sentiu muito mal. Teve hiperemese gravídica, náuseas e vômitos durante toda a gestação, na qual ela se sentia muito desconfortável emocionalmente sem saber o motivo.
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Concomitantemente a tudo isso, Roberta sentia uma tristeza muito grande devido a tudo o que estava acontecendo, podendo-se caracterizar uma depressão pós-parto.
A situação de Roberta tornou-se insuportável, até que alguém recomendou que ela fizesse uma psicoterapia de orientação transpessoal, com a técnica de regressão de memória. Ela, então, nos buscou para se submeter à psicoterapia consciencial.
Como Roberta não tinha nenhuma noção da existência do código moral de leis e da lei da reencarnação, foi orientada pelo terapeuta que aquilo que estava acontecendo com ela era relativamente comum, dentro das leis da vida, apesar de que são poucas mães que admitem isso, sendo que a maioria delas quando sentem isso reprimem intensamente o ódio e desenvolvem o pseudoamor. Explicamos que ela não é um monstro, mas estava sendo convidada por Deus a perdoar um inimigo do passado, que havia renascido como seu filho.
O Processo terapêutico
Após as explicações teóricas iniciais, Roberta passou por todo um processo terapêutico para desenvolver virtudes como o autoamor, o autoperdão e o perdão ao ex-inimigo do passado, hoje seu filho.
Depois desse trabalho prévio, foi submetida à técnica da regressão de memória a existências passadas, única capaz – em nossa opinião – de resolver definitivamente dramas familiares como esse, de uma forma bastante eficaz. Sempre se deve realizar essa modalidade terapêutica após esse trabalho inicial, que é fundamental, pois, se a pessoa não estiver disposta a desenvolver o perdão, o processo regressivo é desaconselhável, uma vez que saber o motivo que gerou o ódio vai acirrá-lo ainda mais. Somente deve se submeter à regressão de memória pessoas dispostas a exercitarem as virtudes para cumprirem o código moral de leis.
Por meio da técnica regressiva, foi desvendado o motivo pelo qual ela odiava tanto aquele filho. Em uma existência anterior, na Espanha, em pleno século XVIII, aquele que hoje é seu filho de 3 meses tinha sido um jovem muito bonito e sedutor. Ele se envolveu com ela, à custa de promessas de casamento e amor eterno. Seduziu-a, teve as relações sexuais que quis ter e depois de usá-la a descartou quando ela descobriu que estava grávida e disse a ele que deveriam apressar o casamento. Ao saber do fato, ele simplesmente riu dela e, cinicamente, disse que nunca tinha pretendido se casar, que era muito jovem e só queria se divertir, abandonando-a nessa condição.
Hoje, isso já seria muito desafiador para uma mulher; agora imaginemos isso acontecendo no século XVIII na Espanha, uma sociedade extremamente conservadora. Depois do abandono, o pai não a apoiou, simplesmente a expulsou de casa e ela terminou sendo acolhida – com segundas intenções, pois era muito bonita – em um prostíbulo em outra cidade pela cafetina dona do lugar. Após o nascimento do seu filho, foi obrigada pela cafetina, devido às conjunturas, a colocar o filho em uma roda de enjeitados[1] de um convento e a se manter prostituindo-se.
Ela ficou vivendo naquele prostíbulo, prostituindo-se para sobreviver, onde contraiu sífilis e morreu ainda muito jovem devido à doença, odiando intensamente o homem que causou tudo aquilo para ela. Esse ódio permaneceu no período intervidas, até que ele também morreu. Continuaram se odiando mutuamente, até que as leis da vida a trouxeram à reencarnação com um plano existencial muito bem delineado, no qual ela teria como propósito existencial desenvolver o perdão, tanto a si mesma quanto ao antigo sedutor, que seria seu segundo filho.
Os espíritos encarregados do seu plano existencial deliberaram que ela teria como primeiro filho um amigo para sentir o significado da maternidade em sua vida e depois de 3 anos receberia o antigo desafeto para se reconciliar com ele.
Para que serve uma experiência dessas? Para que ela alimente o ódio? Não! Para que ela aprenda a amá-lo e para que ele também aprenda a amá-la e respeitá-la, pois anteriormente ele apenas a usou e abandonou. Também o espírito hoje encarnado como filho aprenda que um ser humano não deve ser usado como um objeto, mas que se deve ter respeito às pessoas. Como não existe lei de ódio no universo, ao contrário, a lei é de amor, a família é o ambiente onde, muitas vezes, Deus coloca espíritos inimigos para aprenderem a se amar e, nesse caso, o sedutor de ontem tornou-se o filho de hoje.
Hoje, retornando como mãe e filho, ambos são convidados a esse amor e respeito, transcendendo o sentimento passional que tiveram no passado.
É claro que, mesmo com a terapia regressiva e a ressignificação essencial que se segue a ela, não é fácil desenvolver esse amor. Nenhum processo terapêutico é mágico no sentido de transformar, instantaneamente, sentimentos de ódio, muito menos se a pessoa tiver apenas um conhecimento teórico da reencarnação.
Refletindo sobre a história de Roberta, será que ela poderia amar, já na atual existência, o filho de três meses da mesma forma que ela ama o filho de três anos? Não! O de três anos já é um amigo do passado que retornou ao seu convívio. O de três meses é um inimigo do passado, que ela é convidada a aprender a amar. Não é possível transformar todo aquele ódio em amor profundo em apenas uma existência.
Na verdade, Roberta é convidada a passar a existência inteira fazendo exercícios de amor e pode ser que ela chegue ao final desta experiência reencarnatória apenas não odiando o seu filho, ou apenas iniciando um processo ainda débil de amor.
Foi exatamente isso que aconteceu. Ao compreender toda a situação, Roberta percebeu que o perdão tanto a si mesma quanto ao antigo sedutor, hoje seu filho, era a única forma de resolver o drama no qual vivia. Passou a fazer exercícios diários de afetividade ao filho. Visualizava fazendo carinho nele e depois efetivamente praticava isso. Fazia isso várias vezes ao dia, até que a aversão foi se diluindo gradativamente.
Ao final da existência, ela poderá dizer: Eu já não odeio mais o meu filho, mas ainda não o amo profundamente. Já sinto até um certo carinho por ele, espontaneamente. Faço votos, sinceramente, que ele esteja sempre bem.
Quando trazemos uma experiência de convívio assim, com um inimigo do passado, não é possível – com raras exceções – desenvolver um amor profundo, porém já é perfeitamente possível não odiar mais.
Ao renascer numa próxima existência, como mãe e filho novamente, já não mais iniciando como inimizade, mas como um espírito que alcançou uma condição de neutralidade ou um amor não tão intenso, ela poderá vir a amá-lo mais profundamente. Pode, nessa existência, vir a amar tanto quanto o outro, o amigo do passado. Contudo, é necessário primeiro que haja uma convivência com respeito, pois a convivência do passado foi desrespeitosa. Uma convivência baseada na traição, no desamor, será resolvida com o tempo bem aproveitado em várias reencarnações.
É assim que funciona a lei da reencarnação, uma lei biológica para que a lei moral de causa e efeito seja aplicada, em sintonia com as leis de responsabilidade e de justiça para que o espírito criminoso possa se reabilitar perante a própria consciência.
Em nosso próximo artigo sobre Psicologia Consciencial veremos os os relatos do Dr. Joel Whitton no seu livro Vida – transição – vida, para, com base no relato de seus clientes, entender melhor como funcionam essas leis.
[1] A roda dos enjeitados consistia num mecanismo utilizado para abandonar recém-nascidos que ficavam ao cuidado de instituições de caridade.